sexta-feira, 30 de julho de 2010

O Réu?!?!

Olá!

Que me conhece sabe da minha admiração pelo José Dirceu e da minha indignação pelo seu caçamento como parlamentar. Pois bem, cunhei esta estrevista feita, com o "companheiro", pela Jornalista Priscila Gorzoni para a Revista Ciência & Vida - Sociologia. Segue a entrevistra na íntegra.

À espera de seu julgamento, previsto para 2011, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu fala sobre sua trajetória política e revela ansiedade pela decisão do Supremo Tribunal Federal

Nascido em Passa Quatro, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu de Oliveira e Silva apaixonou-se cedo pela política. Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), teve destacada atuação como liderança do movimento estudantil nos "anos de chumbo" da ditadura militar. No dia 12 de outubro de 1968, durante o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado em um sítio de Ibiúna-SP, Dirceu acabou preso e conduzido para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).

No início de setembro de 1969, em troca da libertação do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, sequestrado por integrantes das organizações guerrilheiras de esquerda Ação Libertadora Nacional (ALN) e Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), Dirceu e mais 14 presos políticos foram libertados pelos militares e expulsos do país. "Cassaram a minha nacionalidade, me baniram do país", afirma Dirceu, que exilou-se em Cuba e retornou na condição de clandestino para o Brasil. Após a anistia, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, em 1980. Eleito deputado federal, participou da CPI que levou ao impeachment e à suspensão dos direitos políticos do então presidente Fernando Collor de Mello.

Quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente da República em 2002, José Dirceu logo assumiu uma posição de protagonismo em Brasília. Nomeado ministro-chefe da Casa Civil, era o homem forte do Governo Lula até as denúncias do deputado federal Roberto Jefferson provocarem uma grande crise política, que culminou com a sua saída da equipe ministerial e a cassação do seu mandato de deputado federal.

Nesta entrevista exclusiva para a revista Sociologia Ciência & Vida, José Dirceu conta como entrou para a política, relembra sua vida em Cuba, faz sua avaliação do caso PC Farias e do episódio de sua cassação em 2005.

Você nasceu na cidade de Passa Quatro, no interior de Minas Gerais. Lá, você já tinha contato com a política? Mostrava inclinação para essa vocação?Conte sobre o seu primeiro contato com a política e a militância na esquerda. Quais fatores ali podem ter influenciado sua trajetória política?

Meu pai era civilista, da ala do deputado Bilac Pinto (UDN-MG), e rompeu com o golpe na hora que a ditadura cortou figuras como o Lacerda e o Magalhães Pinto. Uma ala da UDN, partido extinto pelo AI-2 em 1965, se descolou e foi para a Frente Ampla, a união do JK, do Jango e do Lacerda, que foi extinta por decreto pela ditadura. Convivi com a política em casa, desde cedo. O sócio do meu pai na gráfica era do PTB, getulista. Aprendi a conviver com a diversidade desde criança.

"DESENCADEAMOS UMA REVOLUÇÃO CULTURAL QUE PODERIA SE COMPARAR À SEMANA DE ARTE MODERNA SE NÃO TIVESSE SIDO TOLHIDA PELO AI-5. EM 1968, VIMOS SURGIR UM BRASIL URBANO E UMA GERAÇÃO JOVEM QUE TRABALHA E É INDEPENDENTE DOS PAIS"

Você se formou em Direito na PUC. O que o levou a fazer este curso? Detalhe sua liderança política naquela época.

Minha opção pelo Direito foi por via política. Queria estudar direito constitucional e internacional, além de penal. Na faculdade, me dei conta de que os professores ensinavam como se vivêssemos numa democracia e não falavam da ditadura, dos Atos Institucionais 1 e 2, da repressão, das cassações, da censura, das prisões, da proibição de greves e manifestações, do fim das eleições diretas. Comecei a protestar e a militar, a reativar o Centro Acadêmico, a participar de cineclubes, feiras de livro, reuniões e debates. Tudo proibido pela ditadura.

Depois participei das lutas contra o aumento das anuidades, pela reabertura da UNE e das UEEs, as uniões estaduais de estudantes, e dos centros acadêmicos, até ser eleito presidente do CA 22 de Agosto, da minha faculdade, a PUC de São Paulo, e depois da UEE de São Paulo. Comecei a liderar minha classe e depois de participar de todas as lutas, aos poucos fui aprendendo com as lideranças de antes do golpe. Me filiei ao PCB [Partido Comunista Brasileiro] e depois à dissidência estudantil do PCB. Me lembro que quando entrei na faculdade de Direito da PUC, em 1965, encontrei um cemitério. Fui um daqueles jovens que se opunham ao golpe militar dado um ano antes e um militante do movimento estudantil e da rebelião de uma geração contra toda uma estrutura moral e de comportamento.

Desencadeamos uma revolução cultural que poderia se comparar à Semana de Arte Moderna se não tivesse sido tolhida pelo AI-5. Em 1968, vimos surgir um Brasil urbano e uma geração jovem que trabalha e é independente dos pais. Começou a surgir um Brasil rebelde e libertário que misturava, por exemplo, as elites com as classes populares nas universidades. Quando ingressei nessa luta, o movimento estudantil vivia um cenário desolador: o golpe militar desfechado um ano antes fechara a maioria dos centros acadêmicos e instituições de movimentos sindical e popular, estabelecera censura (ainda que não institucionalizada) e até índex de livros proibidos.

O Brasil vivia o auge da repressão. Fale sobre a famosa Batalha da Maria Antonia.

A repressão permeava tudo: o ensino, a relação com os professores, a discriminação às mulheres, os movimentos e agremiações sociais e populares, enfim, toda a vida nacional. Da revolta contra essa opressão e contra os padrões conservadores, nasceu, efetivamente, minha atuação política. Fui um dos participantes da batalha da rua Maria Antonia, em 3 de outubro de 1968, o histórico, gravíssimo e sangrento confronto entre estudantes da Faculdade de Filosofia da USP [Universidade de São Paulo] e uma minoria de estudantes da Universidade Mackenzie, este lado com o apoio de agentes infiltrados do DOPS e de membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC). O conflito, forjado para justificar a ocupação da Faculdade de Filosofia da USP, principal polo do movimento estudantil paulista, culminou na morte do secundarista José Carlos Guimarães, assassinado à bala pela repressão aos 20 anos. Após esse triste episódio, fizemos clandestinamente o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna. "Caímos". Os registros da mídia variam, mas o nosso cálculo é que mais de 800 estudantes foram presos, entre os quais eu.

Você foi um dos quinze presos liberados por exigência do sequestro do embaixador norte-americano. Por favor, relate como foram essas negociações e o que chegou até você nessa época. Qual era a sua relação com o grupo que sequestrou o embaixador?

Quando fomos presos durante o Congresso da UNE, primeiro fomos levados para o Forte de Itaipu, na Praia Grande, que na época era comandado pelo então tenente-coronel Erasmo Dias. Em seguida, fomos para o 2º BC em São Vicente, e depois passamos por uma delegacia na rua Onze de Junho, e pelo quartel do Exército em Quitaúna, bairro de Osasco. Lá eu fiquei sabendo por um preso que chamávamos de Cabeleira que seria um dos 15 presos políticos trocados pela libertação do embaixador americano Charles Burke Elbrick, e banido do país. Cassaram a minha nacionalidade, me baniram do país e me colocaram em um avião para o México.

Fui recebido com outros companheiros pelo governo mexicano. Ficamos em um hotel que existe até hoje lá, no centro da Cidade do México.Depois de um mês, fomos para Havana, onde éramos hóspedes do governo cubano. Não tínhamos informações sobre as negociações, e minha relação com a ALN era política. A não ser pela presença na sua direção e nos grupos de combate de dezenas de companheiros que haviam lutado comigo no movimento estudantil, eu não tinha contato e não era militante da organização de Marighella. Alguns deles reencontrei em Cuba, daí a razão da minha ida para a Casa dos 28, onde me integrei ao grupo que estava em Cuba pela ALN para treinamento militar.

"VIVI O EXÍLIO E A CLANDESTINIDADE E, NAS DUAS SITUAÇÕES, A REPRESSÃO, O ENDURECIMENTO DA DITADURA, AS MORTES E DESAPARECIMENTOS POLÍTICOS PROVOCADOS PELA DITADURA, A PRISÃO E TORTURA INFRINGIDAS AOS IDEALISTAS QUE RESISTIAM À DITADURA, E A SAGA DOS MILHARES DE BRASILEIROS QUE, COMO EU, FORAM OBRIGADOS A SE EXILAR"


Durante o exílio em Cuba, como era a sua vida no país? Como era o seu relacionamento com os parentes e colegas no Brasil, e quais foram os momentos mais marcantes dessa fase? Depois, você voltou ao Brasil duas vezes clandestinamente. Como foram esses retornos?


Vivi o exílio e a clandestinidade e, nas duas situações, a repressão, o endurecimento da ditadura, as mortes e desaparecimentos políticos provocados pela ditadura, a prisão e tortura infringidas aos idealistas que resistiam à ditadura, e a saga dos milhares de brasileiros que, como eu, foram obrigados a se exilar. Em Cuba reencontrei os companheiros da Ação Libertadora Nacional e comecei a fazer treinamento militar. Lá, estudei e trabalhei quando não estava fazendo treinamento ou me preparando para voltar ao Brasil.

Nunca mantive contato com minha família durante o exílio e a clandestinidade, a não ser para avisar que estava vivo. De volta ao Brasil, lutei na clandestinidade entre 1971 e 1972. Sem condições de permanecer no país, voltei para Cuba por decisão de minha organização, o MOLIPO [Movimento de Libertação Popular]. E vivi também clandestinamente em Cruzeiro do Oeste, no Paraná, de 1975 a 1980, onde me casei com Clara Becker e tive um filho, José Carlos, hoje prefeito da cidade. Com a anistia em 1979, voltei à atuação política normal, ajudei a fundar e a organizar o PT. Durante os anos que vivi no Paraná, aproveitei para conhecer o Brasil e estudar, ler, viajar. Só voltei a fazer contatos políticos no meio do ano de 1979, quando já estava claro que a anistia viria graças à luta democrática dirigida pelo MDB e à ascensão das greves operárias lideradas por Lula.
Você foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Explique-nos sobre o início da formação desse partido e quais eram as maiores dificuldades. Fale sobre a sua atuação no partido no início e nos últimos tempos antes de sua cassação, em 2005.

Com a anistia e o início da redemocratização, assim como eu, muitos militantes de esquerda, de vários grupos, da luta política e da luta sindical, sentíamos a necessidade de nos organizarmos em um partido que representasse os interesses dos setores progressistas e, principalmente, os interesses do povo brasileiro, do trabalhador brasileiro. Havia um movimento sindical belíssimo no ABCD paulista, que foi berço para esse partido.

Esse ideário de transformação, de construção do socialismo e de transformação ética da sociedade também cativou setores progressistas da classe média, da Igreja e mesmo do empresariado. Fui um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, fui seu dirigente por anos. De 1981 a 1983, fui secretário de Formação Política do PT paulista; de 1983 a 1987, secretário-geral do seu Diretório Regional; e de 1987 a 1993 fui secretário-geral do Diretório Nacional. Em 1986 fui eleito deputado estadual em São Paulo. Em 1990, fui eleito deputado federal e em 1994, disputei o governo de São Paulo, recebendo dois milhões de votos.

Voltei a ser eleito deputado federal em 1998 e 2002, quando fui o segundo mais votado do país. Em 1995, assumi a presidência do PT, sendo reeleito por três vezes. Na última, em 2001, fui escolhido diretamente pelos filiados em um processo inédito no Brasil de eleições diretas para todas as direções de um partido político, e ocupei a função até 2002, quando me licenciei para participar do governo do presidente Lula. Fui integrante da coordenação das campanhas de Lula à presidência em 1989, 1994 e 1998, tendo sido o coordenador-geral em 2002. Com a vitória de Lula, assumi a função de coordenador político da equipe de transição. Quando o presidente assumiu, fui nomeado ministro da Casa Civil, cargo que ocupei de janeiro de 2003 a junho de 2005.

Você participou ativamente da CPI que levou a saída do então presidente Fernando Collor de Mello. Como avaliaria hoje o caso PC Farias?

Na Câmara dos Deputados, assinei, com Eduardo Suplicy, requerimento propondo a "CPI do PC" (Paulo César Farias), que levou ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Mas o que pedi era investigação para os fatos que se denunciavam à época. Collor renunciou para não ser cassado, para não ser condenado num julgamento político, e depois foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. Como avalio hoje? Hoje, o ex-presidente Collor, depois de cumprir dez anos de suspensão de seus direitos políticos, é senador pelo seu Estado, Alagoas. Assim, acredito que respondeu por seus atos com a cassação e a suspensão dos direitos políticos por dez anos.
Durante o processo que culminou com a sua cassação, em 2005, como você enfrentou as acusações? Hoje, de que forma você analisa essas acusações e o que faria de diferente se pudesse voltar no tempo?

Logo após as entrevistas de Roberto Jefferson para a "Folha" e, principalmente depois que o "Estadão" sugeriu a ele a ideia - e ele comprou - de me apontar como "chefe da quadrilha", eu sabia que seria cassado, sabia que a Câmara teria de dar uma resposta e que a oposição não perderia a oportunidade de fazer tudo para me tirar o mandato. Nesse período, entre as denúncias e a votação da perda do mandato, eu fiz minha defesa com todas as forças, mas também me preparei para a vida longe do Executivo e do Legislativo. Mais ainda, me preparei para enfrentar os próximos anos à espera do julgamento no Supremo Tribunal Federal, que deve acontecer em 2011.

Se considerarmos que o processo de cassação foi em 2005, posso dizer que falta pouco. No mais, já fui absolvido em ação de improbidade administrativa que corre na Justiça Federal em Brasília; todas as seis investigações abertas no chamado caso Waldomiro Diniz - duas CPIs, dois inquéritos policiais e dois procedimentos do MP - nada apontaram contra mim e nem arrolado como testemunha eu fui; e sobrevivi a uma devassa de 17 meses feita pela Receita Federal, que não encontrou nada de irregular nas minhas contas, principalmente no que se refere à variação patrimonial incompatível. Praticamente recebi um atestado de idoneidade. Só resta aguardar o julgamento no Supremo.

Quais são seus planos futuros?

Neste momento, aguardo ansiosamente meu julgamento no Supremo Tribunal Federal.


Um abraço, Blah e até!

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